Da pesquisa ao atendimento no balcão, mais de 220 mil trabalhadores da área continuam atuando durante a quarentena, ainda que, para isso, tenham que colocar em risco a própria segurança
O farmacêutico é o profissional de saúde mais acessível à população. Diante de uma pandemia causada por um vírus respiratório altamente contagioso e cujas formas de combate ainda são imprecisas, o papel de quem orienta o paciente é essencial. Da pesquisa ao atendimento no balcão, mais de 220 mil trabalhadores da área continuam atuando durante a quarentena, ainda que, para isso, tenham que colocar em risco a própria segurança.
É o caso de Elisângela Lemos, de 36 anos, farmacêutica que, por amor e vocação à profissão, entrou no programa do governo federal “O Brasil Conta Comigo”, ação voltada à capacitação e ao cadastramento de profissionais da área de saúde no enfrentamento à pandemia. “Tem que ter vocação, respeito acima de tudo e empatia pelo próximo, porque, neste momento, todas as áreas da saúde são de extrema importância e precisam ser valorizadas igualmente por estarem ligadas diretamente à vida, o bem mais valioso”, afirma. Atuando com a dispensação (entrega adequada) de medicamentos para mulheres infectadas pelo coronavírus, ela foi lotada na Maternidade Ana Braga em Manaus, capital com um dos maiores índices de mortalidade do Brasil.
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Para Elisângela, a vontade de cuidar de quem precisa supera o medo de contrair a doença, sentimento de quem quer retribuir a ajuda que recebeu no início da carreira. “Eu tinha que acordar às 4h e ir para uma fazenda próxima de Santarém [no Pará], para buscar leite para vender e poder pagar o curso de Farmácia. Como eu tinha uma filha e não tinha com quem deixá-la, eu a levava comigo. Na faculdade, como ela não podia participar das aulas práticas, a tia da cantina ficava com ela para mim. Eu tive muito apoio de pessoas que eu não conhecia”, conta a profissional.
Quem também abdicou do próprio conforto para continuar na linha de frente é a gerente farmacêutica Talita Araújo, de 27 anos, que não visita mais os avós desde o início do período de isolamento social. Ela diz que precisou mudar a rotina para proteger os familiares. “Antes [da pandemia], buscava meu bebê de 11 meses com a minha mãe e ia para casa [após o trabalho]. Agora, preciso dar uma volta a mais, passando em casa antes para tomar um banho, fazendo toda a higienização e evitando, mesmo assim, contato físico. A maior preocupação nem é pela gente, mas pelos nossos”, explica Talita, que trabalha em uma drogaria de Águas Claras, cidade com uma das maiores taxas de transmissão da covid-19 no DF.
Além dos cuidados com os familiares, Talita é responsável por toda uma equipe e lida diretamente com o público. “Quando a recomendação é não ir aos hospitais sem necessidade, as pessoas recorrem às farmácias, até mesmo para se orientar. E temos a responsabilidade de prestar esse serviço à população. Já tivemos clientes positivos para o coronavírus e, por mais que haja a preocupação, porque tudo é muito novo, temos tomado todas as precauções possíveis para garantir a saúde de todos”. De acordo com o último levantamento do Ministério da Saúde, 3.444 farmacêuticos estavam entre os casos suspeitos e confirmados de covid-19 no país.
Sem prescrição
Além de equipamentos de proteção individual (EPIs) e coletiva, o isolamento dos balcões e testagem dos funcionários foram outras medidas adotadas ainda no início da pandemia do novo coronavírus. “Muitas vezes, o nosso time de loja lida diariamente com mais pacientes do que algumas unidades de Saúde, com estabelecimentos que recebem cerca de mil pessoas por dia no atendimento. Então, precisamos pensar desde o início em como avançar na colaboração e proteger, ao mesmo tempo”, reitera o diretor de Operações do Grupo Pacheco, Felipe Zogbi.
Para ele, a atenção à segurança em um momento de pandemia ultrapassa a questão da higienização e entra no âmbito da prescrição. “Informações de remédios milagrosos ou que estão sendo usados no tratamento do coronavírus precisam ser observados pelos farmacêuticos. Tivemos uma enxurrada de clientes procurando, sem prescrição, por medicamentos que são de uso contínuo para certas pessoas. Então, a postura é preservar o atendimento de quem necessita e observar as atualizações do Ministério da Saúde”, pontua.
Em meio a esse cenário, conselhos de farmácia de todos o país realizaram a campanha “não entre em pânico e antes de usar qualquer medicamento, consulte o farmacêutico”. O motivo do alerta foi o resultado de um estudo realizado a pedido dos conselhos, pela consultoria IQVIA, que constatou um aumento significativo nas vendas de medicamentos que foram relacionados, de alguma forma, à covid-19. A vitamina C, cujo “efeito preventivo” contra o vírus foi disseminado em fake news, foi a campeã em comercialização nos primeiros meses de pandemia.
Com o objetivo de controlar esse cenário, o Conselho Federal de Farmácia (CFF) emitiu uma nota técnica em que manifesta formalmente a possibilidade de o farmacêutico negar a dispensação de um medicamento, mesmo com prescrição médica. Esse direito já faz parte da competência natural desses profissionais, que são peça integrante do processo decisório de tratamento e cuja a forma de condução implica diretamente na saúde e na segurança das pessoas.
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Presidente do CFF, Walter da Silva Jorge João ressalta, ainda, a importância da área para além do atendimento em balcão, citando a atuação em pesquisas e produção de novos medicamentos e testes laboratoriais, na vigilância em saúde, no atendimento direto aos pacientes em farmácias públicas e privadas, em laboratórios, instituições de longa permanência de idosos, hospitais, unidades de terapia intensiva (UTIs). “É preciso reconhecer a força de trabalho dos farmacêuticos na ótica de um comando nacional que integre, de fato, as farmácias e os profissionais nessa emergência de saúde pública.”
Motivo de alerta
Pesquisa indicou um aumento significativo nas vendas de medicamentos que tiveram seus nomes associados, de alguma forma, ao combate à covid-19. Vale destacar que nenhum remédio tem eficácia comprovada no combate ao novo coronavírus.
Fonte: Correio Braziliense